Rick and Morty: O retrato do
niilismo e desesperança de uma geração
Conseguir interpretar e analisar de
forma devida e imparcial os motivos pelos quais a série de animação “Rick and
Morty” se tornou rapidamente um sucesso mundial é bem difícil, principalmente
por também me encontrar inserida na prática social vigente. Pertencente à faixa
do Adult Swim, do Cartoon Network, a série criada por Justin
Roiland e Dan Harmon e lançada em 2013, teve sua terceira temporada lançada há
alguns meses e permanece sendo um grande sucesso misturando ficção científica e
uma filosofia fatalista.
A animação narra a história de Rick,
o mais brilhante cientista do universo, e de Morty, seu neto sem graça e meio
estúpido, em viagens através do universo, de multiversos e de dimensões
paralelas. Há uma inspiração óbvia na série de filmes “De volta para o futuro”,
entretanto, é inserido um contexto muito mais abrangente. Mesmo ao reproduzir
um discurso amplamente aceito, como as inspirações de episódios em filmes
famosos como “Jurassic Park” e “Inception”, o faz de maneira criativa. Dessa
forma, a quantidade de diferentes discursos que compõem a série e a atravessa,
se amplia consideravelmente e, assim, possibilita atingir e abranger um público
cada vez maior.
Ainda sobre os personagens
principais, podemos compreender Morty como um solitário adolescente com déficit
de aprendizagem e nenhum amigo, que tem com o retorno de seu avô e em seu
convívio, a possibilidade de se tornar alguém memorável, ou ao menos se
divertir e conhecer outros lugares. Já Rick é um grande cientista que abandonou
o planeta Terra e, com isso, grande parte do paradigma social comum às
sociedades humanas. Somado a esse niilismo tem-se um enorme narcisismo e uma
gigantesca falta de perspectiva. Com toda essa genialidade e frustração, Rick é
um alcóolatra que tenta se adequar à vida em família no planeta e, muitas vezes,
tenta resgatar sentimentos genuínos, mas geralmente somente consegue ser
superficial e altamente manipulador. A junção de dois personagens tão díspares
permite que ambos sejam enriquecidos e absorve a atenção do espectador.
Os personagens secundários também
são extremamente relevantes e permitem que a série alcance um maior grau de
realidade. A família de Rick e Morty é composta pela filha de Rick, Beth, uma
cirurgiã cardíaca de cavalos frustrada com a vida que leva. Sua frustração com
a profissão se deve ao fato de não ter se tornado médica, nem mesmo conseguiu
terminar a faculdade de veterinária por ter engravidado durante a faculdade. Já
sua frustração com a vida pessoal se deve ao seu casamento falido e aos filhos
que teve que, mesmo possuindo amor pelos mesmos, ao mesmo tempo são o motivo de
sua vida profissional não ter se realizado e levar a vida medíocre que leva.
Dessa forma, ter se casado e tido filhos, a define, porém, vive em uma
dualidade entre a vida que escolheu ter e a vida que gostaria de ter tido. Tudo
isso somado à sua frustração de ter sido abandonada pelo pai quando era criança
e que volta a conviver com a família recentemente.
O marido de Beth, Jerry, é retratado
como um homem simplório e medíocre. Um publicitário desempregado que tem
péssimas ideias, um péssimo marido e um pai irrelevante. Além de detestar Rick
também detesta ter ciência de sua própria mediocridade. A última componente da
família é Summer, irmã de Morty. Summer é uma típica adolescente
norteamericana, mas que em vários momentos demonstra uma inteligência muito superior
ao previsto.
O quadro familiar mostrado na série
é muitas vezes tóxico e disforme. Embora a consciência de família e de suporte
mútuo exista, os valores compartilhados são bastante diversos do que é visto
geralmente e contam com conceitos bem elásticos ao que se refere à ética e
moral. Essa nova concepção de família ajuda a aproximar ainda mais os
espectadores da animação, já que há muito, a concepção de família vigente e
disseminada como padrão, não existe mais (se é que algum dia existiu). Toda
essa quebra de convencionalidade contribui para que a significação do discurso
que é construído na série seja facilmente aceitável dentro da sociedade contemporânea
ao qual é inserido. Essa relação entre o discurso e a estrutura social se
mantém em permanente diálogo.
É possível analisar o motivo de
tamanha popularidade dessa série pela comum perspectiva da identidade social do
jovem atual: desiludido com a humanidade e buscando a comicidade em sua própria
desgraça. O personagem Rick é este retrato de frustração percebida no contexto
social e Morty simboliza o indivíduo atomizado e superficial que fatalmente faz
parte de grande parte da sociedade.
O seriado busca realizar o que
Kellner define como multiculturalismo crítico, termo este que:
(...)
funciona como uma rubrica geral para todas as tentativas de resistir à
estereotipia, às distorções e à estigmatização por parte da cultura dominante.
O multiculturalismo crítico também trabalha para abrir os estudos culturais à
análise das relações de força e dominação na sociedade e aos modos como estas
são dissimuladas e/ou legitimadas nas representações ideológicas dominantes.
(KELLNER, p. 126, 2001)
A série “Rick and Morty” é necessariamente
uma crítica às convenções e aos padrões normativos. Ao mesmo tempo em que não é
escapista e distanciado como um cyber
punk, visto que se localiza no tempo presente. Em uma época sem maiores
engajamentos políticos ou éticos, sem lutas e sem motivos para a criação de uma
juventude rebelde, a busca por um ideal e por sentido à existência abre espaço
à busca por novas e amplas perspectivas e a aceitação do inevitável.