sábado, 29 de dezembro de 2018

Rick and Morty: O retrato do niilismo e desesperança de uma geração

            Conseguir interpretar e analisar de forma devida e imparcial os motivos pelos quais a série de animação “Rick and Morty” se tornou rapidamente um sucesso mundial é bem difícil, principalmente por também me encontrar inserida na prática social vigente. Pertencente à faixa do Adult Swim, do Cartoon Network, a série criada por Justin Roiland e Dan Harmon e lançada em 2013, teve sua terceira temporada lançada há alguns meses e permanece sendo um grande sucesso misturando ficção científica e uma filosofia fatalista.

            A animação narra a história de Rick, o mais brilhante cientista do universo, e de Morty, seu neto sem graça e meio estúpido, em viagens através do universo, de multiversos e de dimensões paralelas. Há uma inspiração óbvia na série de filmes “De volta para o futuro”, entretanto, é inserido um contexto muito mais abrangente. Mesmo ao reproduzir um discurso amplamente aceito, como as inspirações de episódios em filmes famosos como “Jurassic Park” e “Inception”, o faz de maneira criativa. Dessa forma, a quantidade de diferentes discursos que compõem a série e a atravessa, se amplia consideravelmente e, assim, possibilita atingir e abranger um público cada vez maior. 

            Ainda sobre os personagens principais, podemos compreender Morty como um solitário adolescente com déficit de aprendizagem e nenhum amigo, que tem com o retorno de seu avô e em seu convívio, a possibilidade de se tornar alguém memorável, ou ao menos se divertir e conhecer outros lugares. Já Rick é um grande cientista que abandonou o planeta Terra e, com isso, grande parte do paradigma social comum às sociedades humanas. Somado a esse niilismo tem-se um enorme narcisismo e uma gigantesca falta de perspectiva. Com toda essa genialidade e frustração, Rick é um alcóolatra que tenta se adequar à vida em família no planeta e, muitas vezes, tenta resgatar sentimentos genuínos, mas geralmente somente consegue ser superficial e altamente manipulador. A junção de dois personagens tão díspares permite que ambos sejam enriquecidos e absorve a atenção do espectador.

            Os personagens secundários também são extremamente relevantes e permitem que a série alcance um maior grau de realidade. A família de Rick e Morty é composta pela filha de Rick, Beth, uma cirurgiã cardíaca de cavalos frustrada com a vida que leva. Sua frustração com a profissão se deve ao fato de não ter se tornado médica, nem mesmo conseguiu terminar a faculdade de veterinária por ter engravidado durante a faculdade. Já sua frustração com a vida pessoal se deve ao seu casamento falido e aos filhos que teve que, mesmo possuindo amor pelos mesmos, ao mesmo tempo são o motivo de sua vida profissional não ter se realizado e levar a vida medíocre que leva. Dessa forma, ter se casado e tido filhos, a define, porém, vive em uma dualidade entre a vida que escolheu ter e a vida que gostaria de ter tido. Tudo isso somado à sua frustração de ter sido abandonada pelo pai quando era criança e que volta a conviver com a família recentemente. 

            O marido de Beth, Jerry, é retratado como um homem simplório e medíocre. Um publicitário desempregado que tem péssimas ideias, um péssimo marido e um pai irrelevante. Além de detestar Rick também detesta ter ciência de sua própria mediocridade. A última componente da família é Summer, irmã de Morty. Summer é uma típica adolescente norteamericana, mas que em vários momentos demonstra uma inteligência muito superior ao previsto.

            O quadro familiar mostrado na série é muitas vezes tóxico e disforme. Embora a consciência de família e de suporte mútuo exista, os valores compartilhados são bastante diversos do que é visto geralmente e contam com conceitos bem elásticos ao que se refere à ética e moral. Essa nova concepção de família ajuda a aproximar ainda mais os espectadores da animação, já que há muito, a concepção de família vigente e disseminada como padrão, não existe mais (se é que algum dia existiu). Toda essa quebra de convencionalidade contribui para que a significação do discurso que é construído na série seja facilmente aceitável dentro da sociedade contemporânea ao qual é inserido. Essa relação entre o discurso e a estrutura social se mantém em permanente diálogo.

            É possível analisar o motivo de tamanha popularidade dessa série pela comum perspectiva da identidade social do jovem atual: desiludido com a humanidade e buscando a comicidade em sua própria desgraça. O personagem Rick é este retrato de frustração percebida no contexto social e Morty simboliza o indivíduo atomizado e superficial que fatalmente faz parte de grande parte da sociedade.

            O seriado busca realizar o que Kellner define como multiculturalismo crítico, termo este que:
(...) funciona como uma rubrica geral para todas as tentativas de resistir à estereotipia, às distorções e à estigmatização por parte da cultura dominante. O multiculturalismo crítico também trabalha para abrir os estudos culturais à análise das relações de força e dominação na sociedade e aos modos como estas são dissimuladas e/ou legitimadas nas representações ideológicas dominantes. (KELLNER, p. 126, 2001)

            A série “Rick and Morty” é necessariamente uma crítica às convenções e aos padrões normativos. Ao mesmo tempo em que não é escapista e distanciado como um cyber punk, visto que se localiza no tempo presente. Em uma época sem maiores engajamentos políticos ou éticos, sem lutas e sem motivos para a criação de uma juventude rebelde, a busca por um ideal e por sentido à existência abre espaço à busca por novas e amplas perspectivas e a aceitação do inevitável.

sábado, 16 de julho de 2016

Carrie – A Estranha




O filme começa no vestiário feminino em plenos anos 70 (1976, para ser mais exata). Então, revolução sexual, muita nudez e muitos pelos pubianos (nessa época a mata atlântica era muito mais bem vista...) e Carrie, parecendo mais um pequeno coelho em meio aos gatos, ou gatas, no caso...

O que dizer sobre este filme que já não tenham dito, não é? Stephen King é mesmo genial! Como não odiar aquela mãe de Carrie? A atriz teve uma interpretação maravilhosa (e um penteado pavoroso!) assim como a própria Carrie! Como não amar aquela pobre criança assustada e não ficar com vontade de abraça-la e ensinar sobre as coisas do mundo? Pois é... 

Com direção de Brian de Palma (“Os Intocáveis”, “O Pagamento Final”, “Missão Impossível”) e atores muito, mas muito bons, o filme foi um sucesso tanto de crítica, quanto de público. Algo interessante é que o nome do colégio de Carrie é “Bates High” em uma clara homenagem a Hitchcock. Assim como todo o clima do filme e a trilha sonora quando alguma coisa “vai dar ruim”...

 
A cena do banho de sangue é uma das cenas mais emblemáticas da história do cinema e é muito interessante ver aquele coelhinho assustado do início se tornando a causa da morte de todas aquelas pessoas. A cena do final, da única sobrevivente sonhando, não faz parte do livro, mas deixou o final muito bom se encaixando perfeitamente.

 

Admito que não assisti ao filme novo, embora eu tenha assistido à continuação que, foi justamente o motivo de não ter visto o novo. A continuação foi bem ruim e não acho que fosse necessário um remake de algo tão bom. Não iria ficar melhor, então não perdi meu tempo!

Nada de novo para falar sobre esse filme, mas eu precisava deixar algumas considerações por escrito porque... é muito bom!

Todos os Fogos o Fogo – Julio Cortázar


Essa é a capa antiga, mas é bem interessante que a atual...


Então, esse é um livro de contos que li há muitos anos na biblioteca da escola. Acho, inclusive, que era a primeira edição de tão velho que era. Tão velho que minha alergia me impediu de continuar a lê-lo e o devolvi, não sem antes ler o primeiro conto “A autoestrada do sul”, que fiquei apaixonada e começar a ler o conto título do livro, que não estava entendendo nada e estava cansativo e deixei para lá.


Sabe esse sentimento de confusão e cansaço que tive ao ler o conto “Todos os Fogos o Fogo”? Descobri que é exatamente assim que nos sentimos ao ler os contos de Cortázar. É o tipo de escritor que dá trabalho, e muito, ao seu leitor. Nada é de graça! Mas mesmo ele não tendo uma escrita muito convencional hoje em dia (pois não se compara a esses Blockbuster’s literários que vemos ultimamente e que lemos mil páginas em um instante) vale muito a leitura e é bem pequeno, são contos bem curtos!

O livro é pequeno e contém 8 contos. São eles:

1.       1 - A autoestrada do sul
2.       2 - A saúde dos doentes
3.       3 - Reunião
4.       4 - Senhorita Cora
5.       5 - A ilha ao meio dia
6.       6 - Instruções a John Howell
7.       7 - Todos os fogos o fogo
8.       8 - O outro céu

Depois de ler o livro todo entendi que “A autoestrada para o sul” foi colocado como o primeiro conto por ser o mais fácil de entender. Não que não seja ótimo, ele é sim! Mas também é o de leitura mais fácil, tem uma sequência síncrona e um narrador. Os outros contos são mesmo muito confusos e muito trabalhosos de se ler.

Cortázar é aquele tipo de escritor que não escreve facilmente, para conseguir lê-lo é necessário muito empenho e muito suor, não é nada, nada fácil. Em uma mesma sentença o narrador pode oscilar de um para outro, ou para um terceiro. O local e o tempo narrados podem mudar e é necessário que o leitor possua uma grande flexibilidade para conseguir acompanhar a leitura.

No conto 1, a estória se passa em um gigantesco engarrafamento em uma autoestrada que se destina a Paris. Os personagens são identificados pelos modelos dos carros que possuem. É bastante interessante e abre precedente para várias discussões como o modo como as pessoas agem em uma situação limite, ou as organizações que são feitas nas formações de grupos e como são vistos os “externos”, ou ainda como são suspensos alguns códigos de conduta da nossa sociedade e prol de uma “nova” sociedade, e por aí vai!

O conto 2 nos narra a estória de uma família que, por amor, vive em uma mentira que vai se tornando maior e maior, até se tornar uma “semi verdade” que preenche o vazio. Já o conto 3 faz uma homenagem à Revolução cubana. Claro que eu só entendi isso bem mais à frente porque, como eu disse antes, nada é explicado e vamos catando informações em um mosaico até conseguir compreender sobre o que se trata e de quem se está falando!

O conto 4 nos fala da internação de um menino para um procedimento simples e como ele se “envolve” com Cora, a jovem enfermeira do hospital encarregada a cuidar dele durante o turno da noite. Nesse conto há a multiplicidade de narradores e são eles muito frenéticos, mudam a todo o tempo     , é bem interessante acompanhar o método do autor.

No conto 5 temos um comissário de bordo/funcionário de uma agência de turismo na Grécia que se torna obsessivo pela imagem de uma ilha que aparece na janela do avião sempre ao meio dia, no trajeto que faz diariamente. Certo dia, ele consegue efetivamente visitar a ilha em suas férias e algo perturbador acontece. Já no conto 6 temos um cenário de uma peça de teatro que possui como proposta escolher um espectador da plateia para ser um dos personagens principais e desenvolver a peça de acordo com seu desempenho. Ao longo da narrativa o espectador escolhido vai ficando embriagado e um tanto psicótico. Não temos como saber se sua psicose é real ou não, eu, ao menos, não tive.

O conto 7, conto título do livro, possui uma narrativa compartilhada. Se passa tanto em uma arena romana, durante o período do império romano, quanto na França contemporânea. Ambas as personagens estão passando por um momento difícil, mas não similares. Entretanto, nas duas estórias, ambas terminam com o fogo. O conto 8 se passa em um local e período definido e nos narra uma história, mas ao final, vemos que nada estava claro, e duvidamos da realidade. Achei também este um ótimo conto!

Enfim, uma leitura maravilhosa para perceber um escritor excelente executando seu trabalho de forma formidável.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A Soteriologia e os Escolásticos




O que é afinal a Soteriologia? Pois bem, a Soteriologia não tem a ver com teologia, exatamente. Tem mais a ver com a “Teoria da Salvação”, com isso, cada religião possui sua própria soteriologia.
Muitos trabalhos foram feitos sobre Soteriologia, muitos deste são religiosos e outros tem mais a ver com História/Sociologia e afins. Para quem se interessa sobre a evolução das religiões, estudar a evolução da Soteriologia dentro do cristianismo é bastante relevante e esclarecedor em diversos aspectos.

O início destes estudos se deu na Idade Média com o surgimento dos Escolásticos que marca o início da vida intelectual na Europa Ocidental, aproximadamente entre 1050 e 1300. Diferentemente de outros movimentos, os Escolásticos são conhecidos pela inclusão do pensamento racional para questões religiosas e formaram a base do cristianismo contemporâneo.

Os escolásticos, que eram os acadêmicos da época, tinham como fonte de estudo os filósofos gregos e críticos muçulmanos, eram, portanto, bastante refinados quanto à sua busca pela verdade. Algumas ideias dos escolásticos eram tão racionais que entravam em conflito com a tradição.

São Tomás de Aquino fazia parte desse movimento, assim como São Bernardo, Santo Anselmo e Abelardo.

Embora a Soteriologia e a Escolástica sejam conhecidas por trabalhos de religiosos, vão muito além da religião. Formam um riquíssimo retrato da construção do nosso mundo e, infelizmente, é difícil achar fontes sobre o assunto na internet sem cair em um site religioso ou curso de Teologia... Entretanto, para um estudo mais aprofundado, eu indicaria livrs com os trabalhos destes cânones ou de estudiosos sobre o assunto, a maioria está em inglês, mas não é um impeditivo assim tão grande...

terça-feira, 12 de julho de 2016

Algo sobre o boom latino-americano


Julio Cortázar

Muitas pessoas já leram o termo atrelado ao nome de algum escritor laureado, mas muitas pessoas não sabem bem o que foi esse movimento - essa explosão - como o próprio nome diz, de escritores latino-americanos.

Pois bem, esse movimento data entre 1960 e 1970, não há uma data exata, mas os escritores mais contextualizados nesse movimento são: Julio Cortázar (Argentina), Jorge Luis Borges (Argentina), Carlos Fuentes (México), Mario Vargas Llosa (Peru) e Gabriel García Márquez (Colômbia).

Gabriel García Márquez
Mas por que estes autores e por que, especificamente neste período? Então, buscando na História, podemos verificar que esse era o período das ditaduras em praticamente toda a América Latina. Esses escritores tiveram de sair de seus países e foram para a Europa ou para os Estados Unidos. Lá, escreveram seus livros retratando todo um movimento vanguardista e se tornaram conhecidos pela Europa e pelo mundo.

Nesse período, entretanto, a literatura estava a todo o vapor e muitos nomes foram lançados e imortalizados por suas obras. O que fez com que esses fossem reconhecidos e não os outros? Boa parte do motivo se refere ao simples fato de estarem lá ou de manterem relações íntimas com Europa ou Estados Unidos. Basicamente a Europa detém o poder sobre as artes e decide o que é bom, ou não. Infelizmente ainda é assim, uma pura questão de poder e prestígio.

Mario Vargas Llosa
Antes disso, literatura latino-americana “não existia”. Não importa que Machado de Assis tenha feito tudo o possível e o impossível na literatura ou que Pablo Neruda nessa época já fosse Pablo Neruda com toda a força que esse nome contém. Há um tempo, lembro de ter lido uma reportagem de Chico Buarque ao lançar seu último livro e dizia sobre a diferença de como são recepcionadas suas obras na Europa. Lembrando que Chico Buarque não é só conhecido aqui no Brasil, mas é muito conhecido também no resto do mundo e suas músicas são muito bem recebidas, mas não seus livros. Ele dizia que a música vinda de um país como o Brasil é muitas vezes vista como uma manifestação exótica e bem recebida, mas o mesmo não acontece com os livros. A arte de escrever é considerada grande somente para os países de primeiro mundo, era como se escrever fosse uma arte que um país jovem como o Brasil, ou um país de terceiro mundo não poderia se enveredar.

Claro que não estou colocando como uma regra ou homogeneizando a coisa, mas acontece que muitos veem dessa maneira. Academicamente os livros de Chico Buarque estão passando a serem lidos e estudados só agora aqui no Brasil e isso, é sim, estarrecedor!

Enfim, resolvi escrever sobre esse movimento porque estou relendo um livro de contos de Cortázar “Todos os fogos o fogo”, o qual é bem interessante, mais tarde falo sobre ele...

Jorge Luis Borges